Uma doença sem cura e progressiva, mas que pode ser controlada com medicamentos e atividade física
Por Ana Karina Talarico
A diferença de idade entre nós é de quase três anos. Eu vou fazer 39 e minha irmã Luciana Talarico fez 36. Sempre fomos muito unidas e há quase um ano, bem no dia da morte do meu pai, em 12 de junho de 2020, nosso diagnóstico foi fechado: temos Parkinson precoce. Foram dois choques de uma só vez: a perda de uma pessoa amada e a descoberta de uma doença incurável e progressiva. Mas aos poucos fomos nos conformando e agradecemos a Deus pela descoberta a tempo de tratar, sem que a doença tenha progredido tanto.
Essa história em busca de um diagnóstico começou com minha irmã. Foi ela quem apresentou os primeiros sintomas como puxar a perna, tremer, ficar com as mãos rígidas. Três anos mais tarde, ficou nítido que alguma coisa também estava errada comigo. A Lu chegou até a ser diagnosticada com lúpus, mas chegou-se à conclusão que não era. Depois de passar em vários médicos, uma neurologista de São Paulo levantou a hipótese de que minha irmã tinha Parkinson, e que pelos sintomas eu também deveria ter. Logo o diagnóstico foi fechado. Hoje, um ano mais tarde, estamos aprendendo a lidar com isso.
Quem nos acompanha desde a descoberta da doença é o neurologista Rubens Gisbert Cury, especialista em doença de Parkinson pela Universidade de São Paulo. Segundo ele, o Parkinson geral acomete, em média, dois a três por cento das pessoas acima de 55 anos de idade, uma prevalência relativamente alta. É a segunda doença neurológica degenerativa mais comum no mundo, ficando atrás apenas da doença de Alzheimer.
“A doença de Parkinson acomete em média 7 a 7,5 milhões de pessoas no mundo atualmente. No Brasil, em média, 250 mil pessoas. A incidência anual é de 5 a 20 casos por cem mil habitantes. E essa incidência vem crescendo no mundo todo. Quando a gente fala em Parkinson precoce é de 21 a 40 anos de idade e menos de 21 anos chama-se Parkinson juvenil”, explica o médico.
O neurologista conta que os sintomas do Parkinson precoce são iguais ao do início após os 40 anos.
“Ele é tido como uma doença motora e geralmente começa com a lentidão dos movimentos. A pessoa passa a ter mais dificuldade para tomar banho, se trocar, amarrar um cadarço, escrever. Geralmente isso é de um lado do corpo, já que a doença é assimétrica e com o tempo acomete o outro lado, mas mantém essa assimetria. A questão da escrita a gente chama de micrografia, a letra fica pequena. Para digitar a velocidade não está é mais tão boa. Outro sintoma apresentado por quem desenvolve a doença é o chamado tremor de repouso. Quando a pessoa está com o braço repousado na cadeira,nota um leve tremor e quando estica muitas vezes melhora ou desaparece. Outro sintoma é a rigidez, que tem muita semelhança com a lentidão, e o paciente fica com a postura mais fletida, com o tronco flexionado para frente”, detalha.
Além dos sintomas cardinais, que é a tríade - lentidão, rigidez e tremor de repouso - o médico diz que o paciente com Parkinson precoce pode ter também outros sintomas. Um deles é a alteração da fala, ela fica um pouco mais baixa, o que é chamado de hipofonia.
“Tem pacientes que também têm alterações não motoras. A pessoa pode ficar apática, piorar a ansiedade, períodos de depressão. Tem gente que fica com o intestino preso, alguns têm alteração do sono ou até dormem, mas acordam no meio da noite com dificuldade de se virar na cama”, relata.
A causa do Parkinson é uma redução da produção diária de dopamina. A dopamina é um neurotransmissor, uma molécula pequena, que auxilia nos nossos movimentos diários: levantar, andar, dirigir, fazer esporte.
“Ela está sempre atuando nas atividades cotidianas. No geral, a queda dela é progressiva. Então o tratamento vai tentar repor uma dopamina que está caindo. Essa reposição é feita com remédios. A gente tem basicamente cinco classes no Brasil. A primeira classe é a própria dopamina, que é a levodopa, a segunda classe são os agonistas da dopamina, a terceira classe são os inibidores da monoaminooxidase, que inibem uma enzima que destrói a dopamina, a amantadina, que aumenta a liberação de dopamina e a entacapona, que inibe uma enzima que destrói a dopamina. No Parkinsonprecoce geralmente a gente precisa começar com uma dose baixa dos remédios e vendo os possíveis efeitos colaterais como sonolência, náusea, tontura, transtornos do impulso. Os dados mostram que a evolução do Parkinson precoce é melhor do que quem tem Parkinson mais clássico. A evolução é mais lenta e em mulher um pouco mais leve que no homem”, detalha.
Ainda de acordo com o neurologista, além do tratamento com remédios, a atividade física é fundamental para quem tem Parkinson. Ele ainda esclarece que para pacientes que não vão bem com o tratamento clínico, existe uma cirurgia de estimulação cerebral profunda que é para restabelecer a circuitaria dopaminérgica.
A importância da atividade física
Logo na primeira consulta com o dr. Rubens, ele falou sobre a importância do acompanhamento de um educador físico. Foi aí que a Bia entrou na minha vida. Bianca Yano faz mestrado em Ciências da Atividade Física pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP) e me acompanha nos treinos de musculação e funcional pelo menos duas vezes na semana. Ela é especialista em Treinamento de Força: da Saúde ao Alto Rendimento e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Neurociência do Exercício da Universidade de São Paulo.
Segundo ela, o exercício físico protege o cérebro contra a perda de células, ou seja, apresenta um efeito neuroprotetor e pode melhorar os movimentos que são comprometidos no decorrer da doença.
“Os indivíduos com doença de Parkinson estão em um processo neurodegenerativo progressivo em que a automaticidade e a habilidade de alternar entre tarefas são comprometidas. Consequentemente, a qualidade de vida e as atividades diárias são afetadas. Eram escassos os efeitos de intervenções de exercícios sobre a automaticidade da marcha nessa população. Com isso, o estudo que participo visa restaurar a automaticidade da marcha de indivíduos com doença de Parkinson e congelamento da marcha, por meio do treinamento de força com instabilidade adaptado. Esse treinamento é considerado uma intervenção de exercícios que incorpora complexidade motora e tarefa dupla. Exige altas demandas atencionais, de controle motor, sensório-motora e de ativação muscular, além de exigir a produção de força necessária para superar a carga externa e manter a estabilidade corporal, exigências estas que produzem maior atividade cortical - áreas cerebrais em processo neurodegenerativo - quando comparado com exercícios sem complexidade motora. Neste sentido, aplicamos 12 semanas de intervenção e observamos que após este período somente o grupo que realizou o Treinamento de Força com Instabilidade Adaptado teve aumento da atividade da região locomotora cerebral e, consequentemente, teve a automaticidade da marcha restaurada”, detalha.
Em relação à atividade escolhida, Bia explica que qualquer uma é válida, entretanto, existem intervenções de exercícios específicos que são mais eficazes que outros.
“É importante que a pessoa procure um profissional com experiência para que assim todo programa de treinamento seja preparado com base em evidências que mostraram resultados significantes na doença de Parkinson. Estudos têm mostrado que exercícios com complexidade motora e exercícios aeróbios de alta intensidade têm sido eficazes para essa população. Gostaria também de deixar uma sugestão: se você puder, dance, ande de bicicleta, corra, pratique lutas, alterne a intensidade na caminhada, utilize passos largos e movimente bem os braços durante a caminhada”, orienta.
Depoimento: “Mais de três anos para fechar o diagnóstico”
“Tudo começou no final de 2016, mais precisamente em dezembro, comecei a sentir minha perna direita ficar estranha, mais rígida, parecia não dobrar ao caminhar. Após um tempo, comecei a tropeçar bastante também e a ter dificuldade para tirar o pé do chão. À medida que eu dava um passo, meu pé direito arrastava. Além disso, comecei a apresentar tremores nas mãos que se acentuavam quando eu ficava nervosa. Comecei a ficar preocupada e a tentar desvendar o que estava acontecendo. A única coisa que me vinha à cabeça era que como eu tinha tido dengue no meio do ano, talvez fosse alguma sequela da doença”.
Esse é o relato da minha irmã Luciana Talarico, que começou a apresentar os primeiros sintomas do Parkinson precoce aos 31 anos. Desde então, a busca por respostas começou. Foram médicos e mais médicos para descobrir o que ela tinha.
“No início de 2017 passei por um neurologista, fiz ressonância do crânio, da coluna, diversos exames de sangue, porém para minha surpresa nenhuma alteração foi apresentada. Neste mesmo ano fui a uma reumatologista, encaminhada pelo neurologista e recebi odiagnóstico de uma doença autoimune. Durante quase um ano fiz tratamento para isso e ao perceber que não estava melhorando, comecei a estudar sobre lúpus. Percebi que eu não apresentava todas as características de um portador da doença. Dessa forma, marquei uma consulta com a médica que me acompanhava. Foi quando ela revelou que, na verdade, não sabia qual era meu diagnóstico, mas estava tentando descobrir e como eu apresentava algumas características dos portadores de lúpus, decidiu me medicar para ver se eu melhorava. Diante disso, parei imediatamente com os remédios e continuei minha busca pelo diagnóstico. Passei por vários neurologistas e médicos de outras especialidades como ortopedista, infectologista, fisiatra, que me encaminharam para realizar os mais diversos tipos de exames, vários desses neurológicos e nada era encontrado”, conta.
Como em sua formação como psicóloga, Luciana estudou neurociência, acreditava que era neurológico seu problema.
“Um certo dia, resolvi por conta própria procurar uma geneticista, pois já que nenhum médico encontrava nada nos exames, imaginei que pudesse ser alguma deformidade genética. Foi a partir daí que as coisas começaram a clarear. Depois de me examinar, essa médica me encaminhou para uma neurologista com especialidade em músculos. E foi ela que, após exames clínicos, suspeitou que pudesse ser Parkinson”, ressalta.
Testes clínicos, exames e mapeamento genético ajudaram a fechar o diagnóstico.
“Foi muito assustador receber a notícia, afinal estamos acostumados a ouvir que essa doença acomete com frequência pessoas idosas. Hoje posso dizer que tenho uma vida normal, com a medicação e exercícios físicos regulares, consigo caminhar longas distâncias e não tremer em ocasiões indesejadas”, finaliza.
Confia, que vai dar tudo certo!
Depois de quase um ano de tratamento tive a coragem de escrever sobre nossa história e espero poder ter contribuído principalmente com você que está passando por algum problema de saúde. Pare, pense, reflita, tenha fé e faça tudo que for indicado no tratamento. Dê a devida importância para sua saúde.
O Parkinson precoce não tem cura, não estaciona, mas com os remédios adequados e atividade física, podemos fazer com que seu progresso seja mais lento e tenhamos uma vida praticamente normal. É um dia após o outro, que enfrentamos com muita coragem e tendo a certeza de que estamos fazendo o melhor por nós. Espero que nosso depoimento tenha te inspirado e te dê forças para continuar nessa batalha que é a vida.
Ana Karina Talarico
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