O movimento social feminista apareceu depois da Revolução Francesa em busca de igualdade de condições entre homens e mulheres
Por Ana Karina Talarico
Você já deve ter ouvido falar várias vezes a palavra feminismo, mas você sabe o que é? Se formos buscar no dicionário, significa “doutrina em que os preceitos indicam e defendem a igualdade de direitos entre mulheres e homens, em todos os aspectos: social, político, econômico". Mas essa palavra representa muito mais do que se imagina. Ela carrega a busca incessante das mulheres por um ideal. E esse caminho começou a ser construído dia a dia, tijolinho por tijolinho, há muitos e muitos anos.
Segundo historiadores, o feminismo é um movimento social, que apareceu depois da Revolução Francesa e ganhou força na Inglaterra durante o século XIX. É a luta pela igualdade de condições entre homens e mulheres, com mesmos direitos e as mesmas oportunidades. As mulheres exigiam uma carga de trabalho e um salário iguais aos dos homens. O movimento espalhou-se pelos Estados Unidos, no começo do século XX, e tinha como principal bandeira o direito ao voto.
No Brasil, a primeira onda do feminismo também se manifestou por meio da luta pelo voto. A sufragetes brasileiras, como eram conhecidas essas mulheres que faziam parte do movimento, eram lideradas por Bertha Lutz, cientista e bióloga, que estudou no exterior e voltou para o Brasil na década de 1910. Ela participou da fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que reivindicou no Senado a aprovação de um projeto de lei que dava o direito de voto às mulheres, conquistado em 1932, quando foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro.
Ainda nessa primeira onda feminista é válido citar o movimento das operárias de ideologia anarquista, reunidas na “União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas”, que tanto na Europa e nos Estados Unidos como no Brasil, perdeu força a partir da década de 1930 e só aparece novamente, com importância, na década de 60, marcada por vários fatos importantes: a Guerra do Vietnã, o movimento hippie nos Estados Unidos, o “Maio de 68” em Paris, na Europa - quando estudantes questionam a ordem acadêmica existente – o surgimento da pílula anticoncepcional, a revolução dos Beatles e Rolling Stones na música e o lançamento em 1963 de uma espécie de “bíblia” do novo feminismo: A mística feminina, de Betty Friedan.
O feminismo no Brasil ganha força em 1980, quando acontece a redemocratização e surgem vários grupos e coletivos por todo o território nacional falando de temas como violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito à terra, direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo, opções sexuais.
Em 1984 foi criado o Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), que promoveu com o apoio de vários grupos uma campanha nacional para a inclusão dos direitos das mulheres na nova carta constitucional e graças a isso a Constituição de 1988 é uma das que mais garantem direitos para a mulher no mundo.
De 1990 em diante surge uma nova fase do feminismo nomeada “terceira onda do feminismo”, que passou a discutir algumas visões trazidas pela segunda onda (década de 1960) e o debate foi ampliado partir de Organizações Não-Governamentais (ONGs), que lutam pelo desenvolvimento de políticas em defesa das mulheres.
Nos anos 2000, a luta contra a violência doméstica da qual a mulher é vítima ganha força e além das Delegacias Especiais da Mulher, espalhadas pelo país, cria-se em 2006 a Lei Maria da Penha.
Acontecimentos que marcaram época na história do feminismo
Além dos fatos mais conhecidos da história do feminismo, a Universidade Livre Feminista destaca também outros que marcaram a história, as batalhas e as conquistas das mulheres no mundo.
22 de julho de 1665
Aqualtune é referência e símbolo de resistência para diversas organizações de mulheres negras no Brasil. Liderou 10 mil homens na batalha entre o Reino do Congo e Portugal, quando foi capturada e trazida para o Recife. Organizou junto com outros escravos uma fuga para o quilombo e segundo a história uma de suas filhas teria gerado Zumbi. Em uma das guerras comandadas pelos paulistas para acabar com Palmares, sua aldeia foi queimada. Não se sabe a data de sua morte.
19 de Abril, 1879
Direito de acesso ao Ensino Superior é conquistado no Brasil pelo decreto nº 7.247, de 19 de Abril de 1879. Ele autorizou as mulheres a cursar o Ensino Superior. Atualmente, elas são maioria na Universidade - 12% da população feminina adulta tem o diploma, enquanto a masculina soma 10%.
3 de Maio, 1888
Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353) que acabou com a escravidão no Brasil foi assinada pela Princesa Isabel, um marco na luta racial.
7 de Março, 1893
Nova Zelândia é o primeiro país a aprovar o voto feminino.
11 de Abril, 1928
Eleita a primeira prefeita da História do Brasil: Alzira Soriano de Souza, no município de Lajes, Rio Grande do Norte
15 de Abril, 1932
O voto feminino é regulamentado no Brasil. Em princípio podiam votar solteiras e viúvas com renda próprias e mulheres casadas se tivessem autorização dos maridos. Com a consolidação do Código Eleitoral qualquer mulher passou a ter direito ao voto.
28 de Maio, 1975
A Organização das Nações Unidas dá início à década da mulher e define datas para os próximos 10 anos com o objetivo de eliminar a discriminação. Em 1975 também acontece a I Conferência Mundial sobre a Mulher, na Cidade do México.
6 de Junho, 1984
É criado pelo Ministério da Saúde, a pedido de movimento de mulheres, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) com o objetivo de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços. Ele inclui todos os cuidados à saúde e bem-estar das mulheres, desde ações preventivas e educativas até assistência ginecológica, planejamento familiar, tratamento para câncer. Atualmente, ele se chama Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM).
28 de Junho, 2006
A Lei Maria da Penha é sancionada. Essa é uma das maiores conquistas do movimento de mulheres, resultado de décadas de luta.
1 de Janeiro, 2010
Dilma Rousseff é a primeira mulher presidenta do Brasil, e convocou nove mulheres para os ministérios, recorde de representação nesse tipo de cargo.
A construção do bem-estar em meio a tudo isso
Certamente as diversas conquistas como o voto, a lei Maria da Penha, mais espaço no mercado de trabalho, as políticas voltadas à saúde da mulher, entre várias outras, são fatores que trouxeram maior bem-estar a todas as mulheres. Mais ainda há muito a ser feito, o que sabemos é que estamos no caminho.
A luta pela construção desse bem-estar feminino foi fundamental, por exemplo, para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição de 1988. Segundo relatos, a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes, entregue em 1987, contribuiu substancialmente para a fundação de um modelo de “serviços públicos de saúde coletiva e assistência médica integrados”.
Em um artigo escrito em 2008, com o tema “Participação social na conquista das políticas de saúde para mulheres no Brasil”, a médica Ana Maria Costa, responsável pelo Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e fundadora do Grupo Temático Gênero e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), analisou a evolução, a partir dos anos 70, do processo participativo dos movimentos de mulheres, especialmente aqueles identificados com o feminismo, articulado à construção de políticas para a saúde das mulheres no Brasil.
Em entrevista ao “Huffpost Brasil”, a especialista disse que a demanda por saúde era muito forte no movimento de mulheres no Brasil. Os grandes grupos feministas tinham como centro questões associadas à saúde, à contracepção, planejamento familiar.
Mas ainda há muito a ser feito pelo bem-estar feminino. Alguns dados nos fazem perceber isso e entender a realidade da mulher brasileira:
Mercado de trabalho e tarefas domésticas
• Um estudo elaborado pela Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda aponta a realidade da mulher brasileira. Dados de 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD/IBGE) mostram que mulheres têm uma jornada de trabalho maior que a dos homens. Enquanto elas trabalham cerca de 55 horas por semana, eles trabalham 50. Isso se deve ao fato de as mulheres terem o dobro da jornada de horas dedicadas ao trabalho doméstico em relação aos homens.
• Enquanto homens dedicam, em média, 10 horas semanais aos afazeres domésticos, mulheres gastam 20,5 horas nessas atividades.
• No Brasil, mulheres ganham, em média, 72% do salário dos homens, mesmo exercendo a mesma função que eles, que também são maioria nos cargos de chefia, gerência e direção.
• Segundo pesquisas feitas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as mulheres ganham em média 30% menos que os homens para realizar a mesma função.
Violência contra a mulher
• De acordo com o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humaos, a pandemia da Covid—19 é um dos fatores que provocaram aumento da violência doméstica contra as mulheres no Brasil em 2020. O país registrou 105.821 denúncias de violência contra a mulher no ano passado, nas plataformas do Ligue 180 e do Disque 100.
• A 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que os homicídios dolosos de mulheres e os feminicídios cresceram no primeiro semestre de 2020 em comparação com o mesmo período do ano passado. Entre os homicídios dolosos, quando há a intenção de matar, o número de mulheres aumentou de 1.834 para 1.861, um acréscimo de 1,5%. Já as vítimas de feminicídio foram de 636 para 648, aumento de 1,9%. Os dados foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, baseados em informações das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social dos estados. Em relação aos estupros, nessa edição do anuário um crime do tipo foi registrado a cada 8 minutos em 2019. Na edição de 2015 havia um estupro a cada 11 minutos no país. Foram 66.123 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável registrados em delegacias de polícia apenas no ano passado, e a maior parte das vítimas é do sexo feminino —cerca de 85,7%.
Estilo de vida
• Estudo do Ministério do Esporte divulgado em 2015 apontava que 50,4% das mulheres brasileiras são sedentárias
• Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2019, uma em cada quatro pessoas de 18 anos ou mais anos de idade no Brasil estava obesa, o equivalente a 41 milhões de pessoas. Já o excesso de peso atingia 60,3% da população de 18 anos ou mais de idade, o que corresponde a 96 milhões de pessoas, sendo 62,6% das mulheres e 57,5% dos homens.
Referências:
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