Diferentes estudos científicos têm demonstrado que existe um componente genético importante na gênese dos transtornos de dependência em geral
Por: Lilian Christine
A ciência explica que o vício acontece quando a pessoa não tem mais controle total sobre a necessidade de sentir prazer, mesmo que determinada prática ou consumo de substâncias ilícitas façam mal ao seu organismo. Diferentes estudos científicos têm demonstrado que existe um componente genético importante na gênese dos transtornos de dependência em geral, porém, há interação desse componente com fatores culturais, ambientais e psicossociais.
“Inúmeros circuitos cerebrais estão envolvidos nas dependências, dentre eles os sistemas dopaminérgicos, serotoninérigos, gabaérgicos e opióides que regulam, por exemplo, o sistema cerebral de recompensa e prazer, que geralmente está desregulado nessas situações”, explica a Dra. Olívia Prado, psiquiatra do Hospital Moriah.
Segundo Olívia, a dependência ou vício, se define por alguns critérios como: desejo intenso (fissura) de utilizar determinada substância ou comportamento; sintomas de abstinência ou seja, desconforto gerado pela ausência de uma determinada substância ou comportamento em questão. A psquiatra explica que há a dificuldade do paciente em controlar os padrões de uso do paciente e mesmo sabendo dos malefícios para a saúde, eles persistem com o uso, o que muitas vezes pode ajudar o organismo a desenvolver uma tolerância.
“Ou seja, há cada vez mais a necessidade de uso de quantidades cada vez maiores para obtenção dos mesmos efeitos sempre com o objetivo de evitar mal físico ou psicológico” finaliza.
Mas como saber se o paciente é viciado?
Segundo a psicóloga María das Graças Passaretti, especialista em dependência química e transtornos do impulso, o vício é um transtorno comportamental devido a uma fuga emocional que visa a obtenção de prazer e a extinção da dor.
Para a psicóloga quando a pessoa se afasta da sua própria essência e tem como foco a obtenção de prazer, mesmo que isso signifique mudar completamente o curso de suas ações, objetivos e sonhos, pode-se considerar que essa pessoa está viciada. E a partir daí ela acaba por se afastar de amigos, familiares, das atividades laborais, tendo a sua vida prejudicada como um todo.
Fatores que levam ao vício
María das Graças Passaretti explica que muitos dos vícios podem ter origem em fatores genéticos, para aliviar problemas emocionais ou sentimento de perda.
“Muitas vezes ao fazer uso abusivo da substância, o organismo vai ficando tolerante à aquela determinada dose. No caso de comprimidos para dormir, por exemplo, com o tempo é preciso aumentar a dose pois aquela mesma dose já não faz mais o efeito necessário", explica a médica.
Muitas pessoas mesmo sabendo que o vício faz mal à saúde possuem uma distorção cognitiva o que faz com que não acreditem que elas nunca vão chegar ao estágio crítico de dependência.
“A pessoa acredita que pode fazer um uso social, recreativo, principalmente da maconha. Muita gente acredita que não vai ficar dependente”, alerta a médica.
Fatores que originam o vício
Passaretti explica que o vício pode ter diferentes causas como:
Questões genéticas
“Já é comprovado que se existem outras pessoas na família com transtorno de compulsão, não necessariamente drogas, obviamente que os filhos poderão desenvolver a doença. Não necessariamente desenvolvem, mas há uma vulnerabilidade. Por isso, quando há um dependente químico na família já é orientado que a pessoa nem experimente álcool e drogas, pois pode se tornar vulnerável, gostar e acabar desenvolvendo o transtorno”.
Comorbidades
Como outros transtornos mentais associados à dependência, como depressão, transtorno de ansiedade, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, autismo, transtornos de personalidade, como borderline, transtorno anti-social ;
“Geralmente nos transtornos de personalidade, como borderline, transtorno anti-social, as pessoas são impulsivas e compulsivas e isso acaba levando à dependência” .
Questões de ordem biopsicossocial
“Por uma questão cultural a pessoa pode adquirir algum tipo de dependência. Por exemplo, os índios antigamente e algumas tribos ainda hoje fazem o uso de substâncias psicoativas. O álcool também era muito consumido em séculos passados e isso era uma questão cultural. Pois as pessoas não sabiam como hoje dos seus malefícios”.
Históricos de violência e traumas
“Os traumas são uns dos fatores que podem levar ao desenvolvimento da dependência. Porque a pessoa tem um sofrimento psíquico e emocional intenso e ela alivia através do uso de substância química.”
Tipos de tratamento
A ciência tem pesquisado inúmeros tratamentos através da ajuda da neurociência que consigam neutralizar a cadeia do vício. Para a Dra. Helena Camarinha existem muitos tratamentos no Brasil e no mundo e cada proposta tem o seu espaço e serventia, desde as embasadas na Ciência, conduzidas por médicos, psicólogos e equipes de multiprofissionais, até as perspectivas religiosas e espirituais, que complementam e respaldam os indivíduos.
“Se nos perguntarmos qual a melhor terapêutica, a resposta está naquela que proporciona maior adesão e recuperação do paciente. Importante ressaltar que o tratamento de vícios requer a participação do sujeito, ou seja, seu desejo e motivação em superar o vício, além da percepção sobre o seu adoecimento, assumindo a limitação e necessidade de ajuda e suporte nesse enfrentamento”, explica a psicóloga.
A psiquiatra Olívia Padro explica que o manejo dos quadros de dependência variam conforme a substância ou comportamento em foco mas se baseiam principalmente em psicoterapia, preferencialmente terapia congnitivo comportamental, e acompanhamento psiquiátrico muitas vezes, com necessidade de uso de psicofármacos. Os vícios interferem na vida em sociedade como um todo, prejudicando no trabalho, família, relacionamento amoroso etc.
“Há uma alteração do pensamento e do comportamento. Isso por si só já é um prejuízo fora os danos à saúde. A pessoa pode ficar mais violenta, pode causar problemas no trânsito, então não é raro que essas pessoas com vícios possam estar respondendo a algum processo ou já tenham sido presas por conta dessa baixa autocrítica provocada por uso de substâncias”, conclui Passaretti.
Fontes:
Colaboraram com a entrevista:
María das Graças Passaretti (@mgpassaretti) psicóloga clínica, especialista em Dependência Química e Transtornos do Impulso; especialista em Psicodrama e Sociodrama e em Terapia Familiar Sistêmica com EMDR.
Dra. Olívia Prado, psiquiatra do Hospital Moriah.
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