Pesquisa que realizamos com alunas e seguidoras da Escola Riserva Zen revela noções em comum e a importância do Yoga quando o assunto é bem-estar
Por Jessica Bazzo
Seja como conceito, sensação ou estado de espírito, definir bem-estar não é algo simples. A expressão é utilizada há séculos e seu significado e amplitude mudaram com o tempo e os diversos contextos. Associada à saúde física, a questões financeiras, à satisfação de necessidades, a definição de bem-estar pode ser bastante subjetiva, mas há consensos.
O Dicionário define bem-estar como um “estado de satisfação plena das exigências do corpo e/ou do espírito” ou ainda “sensação de segurança, conforto, tranquilidade”. De maneira ampla, e com base na definição do que é saúde dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o bem-estar abrange as dimensões física, mental e social. A saúde física vai além da ausência de doenças, e inclui também disposição e autoestima, por exemplo. A saúde mental contempla o equilíbrio das emoções, bem como a ausência de estresse. E o social inclui o acesso a recursos e direitos como: renda, trabalho, saúde e educação.
Aproveitando o tema da Semana Zen deste ano, que aconteceu de 21 a 27 de Junho, que teve por tema “Mulheres no Yoga: a construção do bem-estar”, procuramos saber de alunas e seguidoras da Escola Riserva Zen, por meio de formulário eletrônico, o que elas fazem diariamente para se sentir bem e quanto tempo dedicam a isso, como cuidam da saúde física, mental, da autoestima, o que lhes dá prazer, o que as faz felizes e, por fim, como entendem o conceito de bem-estar. As perguntas foram abertas, o que significa que as mulheres puderam responder livremente sobre os questionamentos.
O formulário foi divulgado pelos grupos da Escola no WhatsApp, voltado para pessoas do sexo feminino (e/ou que se reconhecem como mulheres) e ficou aberto para respostas de 14 a 19 de junho. Nesse período, conseguimos 17 respostas válidas, de mulheres com idades entre 20-24 anos (23%), 25-29 (5%), 30-34 (29%), 35-39 (23%) e 40-44 (17%), e que, majoritariamente, declararam realizar atividades para se sentir bem diariamente. A maior parte das entrevistadas dedicavam de 30 minutos a 1 hora (41%) por dia para cuidar do bem-estar, grande parte (35%) destinava entre 1 e 2 horas, e uma porção ainda bastante significativa reservava mais de 2 horas – 2h-3h (17%) e 3h-4h (5%).
Em destaque, a prática do Yoga foi considerada importante pela maioria das entrevistadas (35%) como algo a ser feito diariamente para se sentir bem, seguida de atividades como ouvir música, ressaltada por 28% das mulheres, e fazer exercícios ou algum esporte, bem como a leitura, lembradas por 23% delas. Na sequência, aparece a meditação, momentos com a família, ritos de fé, seja em orações ou agradecimento (17%), seguido pela dança, rituais de beleza, momentos com a família, assistir filmes e séries, uso do humor, passear ou brincar com cachorro, trabalhar e o contato com a natureza (11%). De maneira isolada, algumas das mulheres entrevistadas citaram conversar, jogar videogame, rituais pessoais de relaxamento e cuidar de plantas como hábitos que as fazem se sentir bem.
Apesar de bastante expressivos, esses resultados não surpreendem, uma vez que o perfil das alunas e seguidoras da Escola já indicam sua afinidade com o Yoga e que o pratiquem com regularidade, assim como também sugere que tenham uma vida ativa e consciente da importância de exercícios físicos para se sentir bem. Entretanto, os outros temas que foram suscitados trazem questões que extrapolam tal perfil, revelando mulheres comuns, e nos levando a considerar o inverso: que mulheres ainda não-praticantes de Yoga tenham também apreço por atividades físicas e possam encontrar no Yoga uma forma de cuidar do seu bem-estar, como propôs a Escola na sua Semana Zen.
Quando o assunto é saúde física, 82% das mulheres entrevistadas citaram a prática de exercício físico, de alta, média ou baixa intensidade, seguido do Yoga (35%), cuidados com alimentação (29%) e, de maneira isolada, evitar a negatividade, dançar e dormir bem.
Para cuidar da autoestima, 52% das mulheres declararam ter uma rotina de cuidados e/ou rituais de beleza, 17% veem na leitura inspiração para melhorar a autoestima e, na mesma proporção, dedicar um tempo para si ou falar coisas boas para si, e 11% das entrevistadas relacionaram bons hábitos alimentares e terapia. De maneira isolada, foram citadas como atividades de cuidado com a autoestima: Yoga, escrever em um diário, ouvir podcasts, dormir bem, ir ao médico periodicamente, cuidar da saúde física e emocional, praticar o autoperdão, a autorreflexão ou entendem que é um processo que vem de dentro para fora, e ainda que, em geral, sentir-se bem física e emocionalmente já é cuidar da autoestima.
Em prol de uma mente saudável, 35% das entrevistadas disseram recorrer à meditação, 23% acreditam no poder da fé e 17% mantêm pensamentos positivos. Depois, empatados, 11% utilizam a estratégia de evitar pessoas negativas, assim como ler, escrever e ouvir música, e ainda fazer terapia. Individualmente, algumas mulheres citaram o Yoga, assistir filmes e séries, praticar o amor ao próximo, não guardar rancor, prestar atenção em si mesma, conversar, o contato com a natureza, desligar-se da TV e das redes sociais e fazer pausas no trabalho.
Quanto à pergunta específica “O que te dá prazer?”, a maior parte das entrevistadas citou momentos com a família e/ou filhos (35%,), depois, foram lembradas como atividades prazerosas, comer e contato com a natureza (ambas na proporção de 23%). Na sequência, aparece o Yoga, ajudar o próximo, ler, tempo com amigos, beber vinho, viajar ou passear e dançar (11%). De maneira isolada, foram citadas como coisas prazerosas ter hobbies, praticar exercícios, assistir filmes e séries, estar com pessoas que se gosta, ficar com os bichos de estimação, sexo, música, assistir o time jogando, dormir, conversar, aprender, cuidar das plantas, descansar e trabalhar.
Já quando o questionamento foi sobre o que as faz felizes, só houve consenso entre as entrevistadas com relação aos momentos com a família e/ou filhos (52%) e, além disso, 17% concorda com a máxima de que “a felicidade está nas pequenas coisas”. A noção de felicidade, de maneira geral, foi bem diversa e mais ampla que a perspectiva de “o que te dá prazer”. Nesse sentido, a felicidade foi relacionada ao ser, a quem se é, à sua história, ao sentir-se bem, sentir-se produtiva, ao fazer coisas prazerosas, como comer, ler, viajar, dormir, ouvir música e cantar, assim como ao estar feliz e ao estar com amigos.
Chegando à grande pergunta do questionário, “O que é bem-estar para você?”, trouxemos abaixo as noções de bem-estar individuais apresentadas pelas entrevistadas (embora haja consensos). O conjunto das noções nos ajuda a refletir sobre a abrangência do termo bem-estar e sobre como as mulheres enxergam de forma intimamente relacionada o se sentir bem física e mentalmente, o emocional, e como se encara a vida diariamente.
Dessa forma, obtivemos as seguintes noções de bem-estar:
Desapegar de tudo que não te faz bem e procurar ser capaz de manter a paz consigo.
Bem-estar é um estado de estar bem diante das situações diárias, é se sentir segura, confiante, ter fé.
Estar em tranquilidade.
É se sentir você mesma.
É se cuidar, cuidar do seu corpo e sua mente, ser feliz.
Bem-estar é respeitar seus limites, pensamentos, se permitir mudar e errar. Entender que você faz o melhor que pode e isso faz a diferença.
É ter o nosso tempo e ritmo e capacidade de fazer aquilo que temos vontade.
Estar em paz com corpo, mente e alma.
É estar bem comigo mesma, fazendo o que gosto.
Bem-estar é me sentir confortável com a minha autoestima e conseguir aproveitar a minha companhia sozinha sem me sentir só.
Fazer pequenas coisas que façam eu me sentir bem, confortável, feliz e realizada.
Uma sensação de paz interior.
É aliar corpo e mente. E compreender que temos que ter tolerância com nós mesmos e saber que cada momento é passageiro e “aproveitar o bom e o ruim” para depois seguir.
Bem-estar é estar de boa consigo mesmo, em primeiro lugar. Controlar fantasmas internos, angústias. Meditar, fazer yoga, tocar um instrumento, cantar, sei lá. Algo que te dê prazer. Depois, vem você ter um lugar para morar, ter conforto, ter o que comer, ter saúde, mental e física. Ter uma espiritualidade, que é diferente de religião. Ter algo que te conecte com o sagrado. E manter boas relações.
É estar bem consigo e estabelecer uma rotina que tenha qualidade de vida.
É ter uma vida equilibrada.
É uma complementação do físico com o mental/espiritual/emocional, quando de alguma forma se encontra o equilíbrio entre todas essas coisas, e ir além de sobreviver, viver de fato.
Opinião de especialista
Tempo dedicado ao bem-estar
Para comentar os resultados, convidamos a psicóloga especialista em neuropsicologia e em terapia cognitivo-comportamental Paula de Oliveira Maia. Ela destaca que não existe uma regra de minutos a serem dedicados ao bem-estar, e que todo tempo é válido, pois, mais importante é que se exista esse tempo.
“O bem-estar tem alguns pontos objetivos que nos ajudam a mensurar a qualidade de vida, mas também temos um bem-estar subjetivo, que é como as pessoas avaliam suas vidas, mais especificamente, este construto diz respeito a como e por que as pessoas experimentam suas vidas positivamente. Sem dúvida, esse lugar de “o que fazer para se sentir bem” não é um lugar de escolha, ou, ao menos, não para todo mundo, pois as desigualdades sociais também impactam esse bem-estar objetivo e subjetivo, uma vez que o acesso a saúde, educação, moradia e segurança não é o mesmo. O sexismo, combinado ao racismo, é um fator perturbador da identidade pessoal, da imagem corporal, do autoconceito e da autoestima, entre outros”, avalia.
Autoestima
Conforme a psicóloga, autoestima é uma avaliação positiva ou negativa que uma pessoa faz de si mesma e é parte fundamental do bem-estar mental e físico, já que a aceitação de si mesmo reflete em cada aspecto da vida. Paula recomenda exemplos de comportamentos gerais a serem cultivados em prol do bem-estar: avaliação positiva de si mesmo e do período anterior de vida (autoaceitação), ter um sentido de crescimento contínuo e desenvolvimento como pessoa (crescimento pessoal), acreditar que a vida possui objetivo (sentido) e significado (sentido de vida), possuir relações de qualidade com outros (relações positivas com outros), capacidade de manejar efetivamente a vida e o mundo ao redor (domínio do ambiente) e sentido de autodeterminação (autonomia).
Cuidar da mente
Apesar de poucas das mulheres terem respondido recorrer à terapia para cuidar da saúde mental, Paula disse não ter ficado surpresa com esse resultado.
“Podem ter existido muitas variáveis que fizeram a terapia ser menos lembrada, outra questão também seria o fato de que dizer que está fazendo terapia ainda é um tabu, e, para muitos, considerado sinal de fraqueza, ‘erro’ ou transtorno mental”, destaca.
A psicóloga reforça que não existe um único caminho para cuidar da saúde mental e avalia positivamente a diversidade de respostas das entrevistadas.
“Esses pequenos recortes são importantes até para acessar o que as pessoas veem como saúde, o que está ao seu alcance e, também, como as informações sobre autocuidado chegam até essa parte da população. Estudos já demonstraram que a espiritualidade pode fazer uma importante contribuição para a promoção da saúde e prevenção da doença. Assim, o exercício de atividades espirituais (oração e outros rituais, por exemplo) podem influenciar, psicodinamicamente, mediante emoções positivas (como a esperança, o perdão, a autoestima e o amor)”, pontua.
Percepções de felicidade e prazer
Com poucas similaridades nas respostas sobre o que as faz felizes e o que lhes dá prazer, Paula Maia avalia que essas interpretações podem ser reflexos às suas diferentes formas de compreender e de viver a felicidade e o prazer.
“Felicidade é difícil de conceituar, até academicamente, por ser um sentimento subjetivo. Mas de modo geral, a felicidade é um estado transitório de emoção positiva. Sei que, para ser feliz, existem várias coisas que podem ser feitas, mas, se você juntar quantitativamente essas coisas, pode ser que uma pessoa não se torne feliz. Por quê? Porque – novamente, volto àquele conceito inicial – a felicidade é um estado subjetivo”, conclui a psicóloga.
Noções de bem-estar
Sobre a maneira como esse conceito é entendido na atualidade, a psicóloga especialista em neuropsicologia salienta que o bem-estar parece estar sendo visto como um produto individual, onde cada pessoa compra o seu, estimulado, inclusive, pelos governos, que priorizam mais movimentar a economia do que prover os cidadãos com acesso a serviços como saúde, educação e segurança, fatores diretamente relacionados ao bem-estar social. E as consequências desse modelo podem ser vistas na máxima do “ter” para “ser”.
“Todos os dias, queremos ganhar mais para vivermos melhor, termos mais segurança, acesso a atendimento de saúde e educação de qualidade, serviços que deveriam ser oferecidos pelo Estado, mas não são, ou são de maneira precária e não para todos. Assim, a população adoece. O número de pessoas doentes pelo excesso de trabalho, seja por doenças associadas ao estresse (doenças cardiovasculares, insônia, doenças autoimunes, burnout, entre outras), ansiedade e depressão é cada vez maior. A psicossomatização do estresse sofrido em seus respectivos empregos tem levado as pessoas a destinar mensalmente uma parte de seus ganhos ao autocuidado. Ou, em outras palavras, a investir o dinheiro que ganham na recuperação da saúde perdida como consequência do trabalho”, pondera.
Mas, será que o bem-estar é uma escolha? Não para todos, como avalia Maia.
“Nossa estrutura social nos ‘obriga’ a abrir mão. Nem todo mundo pode se dar ao luxo de largar um emprego, de pedir menos horas de trabalho, de lutar por igualdade salarial, por mais que esteja lhe custando a saúde mental. Talvez, para lidar com essa questão, seja necessário tomar decisões em prol de nossa humanidade e não tanto do sistema produtivo, ou do sistema patriarcal, no caso das mulheres, que, historicamente, são as que têm se encarregado dos cuidados. Talvez dizer ‘não’ a uma dinâmica que nos faz mal seja o maior autocuidado que podemos fazer”, conclui a psicóloga.
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